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ARTIGOS

Novos horizontes da Saúde Mental

by Jan 1, 2009

Dr. António Sampaio in BIPOLAR nº 35 – Revista da ADEB
 

Por um lado o Homem é “bestia cupidíssima rerum novarum” (Santo Agostinho) – animal avidíssimo de coisas novas; Por outro lado é um animal social. Assim o Homem é mais do que Homo Sapiens Sapiens, é Homo Habiles, Symbolizans (criador de símbolos) e Homo Communicans.
A Loucura é justamente uma falha da articulação destas potencialidades.

Pensar em saúde mental é pensar no Homem na sua condição de ser e de estar no mundo. De facto, sem uma reflexão antropológica e social, não é possível encarar seriamente as medidas que devem orientar sociólogos, psicólogos, psiquiatras ou quem quer que se preocupe com os novos horizontes da saúde mental.

A psiquiatria como especialidade médica, se tivermos como marco Pinel (1745-1826) tem perto de duzentos anos.

No século XIX Freud tenta dar ao conceito de inconsciente um status científico.

No século XX, no período pós-guerra surgem os psicofármacos e com eles o esvaziamento das estruturas asilares e o primado da psiquiatria comunitária. (A psiquiatria tinha nascido dentro dos asilos pela necessidade de abrigar, proteger, cuidar, investigar, diagnosticar e tratar os indivíduos que da loucura fossem acometidos).

Por outro lado, tende-se para uma evolução isolada científica ainda pouco articulada com as reais necessidades do Homem.

No século XXI, em plena sociedade pós-moderna importa voltarmos a focar o Homem, a Sociedade e a Ciência de forma interdisciplinar.

Assim, importa dizer que o Homem da sociedade pós-moderna não é o mesmo do século XIX. Ainda com cicatrizes do pós-guerra, o Homem viu-se inundado pela sociedade de comunicação. A informação em massa deixou pouco espaço para o Homo habiles (de Santo Agostinho). O Homem viu-se progressivamente impedido de sonhar, os sonhos são substituídos por “imagens fantásticas” mas elaboradas fora dele. O símbolo do conhecimento já não é o livro mas o computador. Este tira espaço à capacidade criativa e assim impedem o homem de imaginar de acordo com a sua ontogenia. Todo um trabalho de reelaboração fica comprometido. Na sociedade da comunicação, paradoxalmente o Homem diminuiu muito a sua comunicação inter-humana.
Está mais só e nem sequer está consigo próprio.

Importa dizer que, sendo a ontogenia uma recapitulação da filogenia, estamos perante o risco de um impasse evolutivo.

Por outro lado, a perda de valores de referência que se iniciou pela queda dos regimes totalitários quer de esquerda quer de direita, atingiu as crenças religiosas e mais recentemente o capitalismo. A própria democracia é pouco mais do que tolerada.

Só mas sem referencias, na sociedade pósmoderna o Homem adopta de forma anárquica, o narcisismo e o espectáculo. Nesta sociedade, o Homem vai perdendo a capacidade de se reinventar. Vive-se um período de estagnação artística. Os que se adaptam remetem-se a um pensamento operativo e vivem um “espectáculo de normalidade”. Outros, “impedidos” da diferença, enlouquecem em silêncio. Desta maneira temos assistido ao “trágico cenário para a implosão e explosão da violência que marcam a actualidade” (Birman) e a uma “crescente volatiliz ação da solidariedade”.

Na ciência moderna o conhecimento avançou pela especializ ação. O saber científico dividiu-se em demasiadas parcelas cada uma chamando a si demasiado protagonismo. Foi este também o caso da psicofarmacologia. O abuso do uso dos psicofármacos considerados como pedra fundamental na saúde mental tem e terá consequências nas próximas gerações que importa não subestimar.

Com efeito, quando o Homem adoece, adoece todo. Não é tanto a doença que está em causa, mas o “desequilíbrio”. As neurociências propõem-se a encontrar factores etiológicos e consequentemente intervenções terapêuticas. Contudo, apesar do reconhecimento da importância dos avanços científicos nesta área, importa não esquecer que o Homem é, cada um, fenómeno histórico-biográfico e como tal deve ser encarado do ponto de vista do seu sofrimento psicológico.

Acresce que numa ciência pós-moderna os saberes científicos devem ser considerados faixas do espectro da luz, ao encontrarem-se, poderemos aproximarmo-nos duma realidade mais “inteira”.

Como se compreende, qualquer política de saúde mental que não tenha em conta a realidade social e comunitária será “estéril”.

Numa sociedade que se diz democrática não basta assegurar os direitos humanos. Antes é fundamental um igual direito á educação e à saúde. A montante, torna-se importante um movimento comunitário que estude os aspectos sociais e comunitários precipitantes de doença mental.
– Uma assistência comunitária abrangente.

Na abordagem terapêutica, um plano de saúde mental para o futuro tem de ter em conta:

  • A prevenção da doença mental, nomeadamente pela educação e sensibilização comunitária aos factores de risco, bem como pela triagem de situações de risco.
  • A promoção da saúde mental das populações, nomeadamente pela facilitação de acesso a uma intervenção atempada.
  • A promoção de um adequado número de intervenientes terapêuticos de forma a assegurar uma humanização dos cuidados de saúde mental. Neste ponto cabe valorizar e apoiar as organizações comunitárias para a educação e prevenção na saúde.
  • Uma articulação interdisciplinar sem por em causa a relação terapêutica.

 

Dr. António Sampaio
Médico Psiquiatra