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ARTIGOS

Neuroplasticidade, Depressão e Antidepressivos

by Mar 11, 2010

Dr. António Sampaio in Revista Bipolar Nº 39 2003

A neuroplasticidade refere-se à forma como o cérebro responde a uma variedade de situações reagindo e adaptando-se de forma permanente. Tal dinâmica cerebral envolve diferentes processos como a formação dendritica, a remodelação sináptica, a Long Term Potentiation (LTP), o desenvolvimento axonal, a extensão neurítica, a sinaptogénese e mesmo a neurogénese.

Durante muito tempo considerou-se que apenas o sistema nervoso imaturo ou em desenvolvimento era capaz de receber influências externas que permitissem uma reorganização estrutural. Actualmente sabemos que muito provavelmente durante toda a vida o Sistema Nervoso Central tem um potencial neuronal de regeneração antes não imaginado. Estudos recentes têm demonstrado esta capacidade do sistema nervoso de alterar algumas das propriedades morfológicas e funcionais em resposta a alterações do ambiente, ou seja, uma adaptação e reorganização da dinâmica do sistema nervoso frente as alterações “internas” ou “externas”
Um dos dados mais importantes dos mesmos é que quanto maior é a duração da depressão, maior é a perda de volume do hipocampo e maior é a perturbação da memória verbal.

Com efeito, estudos recentes parecem demonstrar que o stress prolongado pode levar a uma perda de volume do hipocampo. Tal perda de volume parece resultar da activação eixo do hipotálamo-hipófise-supra-renal, e de excitotoxicidade glutaminérgica.
De facto, o hipocampo está envolvido na resposta ao stress. As respostas ao stress incluem a liberação de glicocorticóides (GC) pela supra-renal, como consequência da activação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA).
Ora acontece que o hipocampo possui grande densidade de receptores para GCs e a exposição ao stress significativo e/ou prolongado induz um remodelamento dendrítico em células piramidais do hipocampo e diminuição da neurogénese no giro dentado do hipocampo (de animais de labo- ratório, incluindo primatas).

Em humanos, níveis elevados de cortisol durante longos períodos “predizem” uma atrofia do hipocampo e têm sido relacionados com os deficits cognitivos observados em pacientes com depressões prolongadas. Segundo alguns estudos as substancias antidepressivas poderiam prevenir a atrofia do hipocampo.
De referir estudos que apontam para um aumento da neurogénese e a expressão do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) no hipocampo de ratos submetidos a tratamento prolongado com antidepressivos.
Estudos recentes demonstram que o bloqueio radiológico da neurogénese no hipocampo impede o desenvolvimento dos efeitos comportamentais próprios dos antidepressivos em ratos e que animais com níveis diminuídos de BDNF ou alterações nos seus receptores não respondem a estas drogas. Isto sugere que o efeito terapêutico dos antidepressivos poderia depender desse efeito neuroprotetor no hipocampo.

Estes estudos indicam que acontecimentos stressantes teriam um efeito neurotóxico sobre o hipocampo, provavelmente mediado pelo aumento de GCs, predispondo ao desenvolvimento da depressão. Em conformidade as substancias antidepressivas, por aumentarem as neurotransmissões serotoninérgicas e/ou noradrenérgicas, actuariam prevenindo ou revertendo esses processos.
Estudos neuroquímicos e eletrofisiológicos mostram que o processo de neurogénese no hipocampo gera neurónios funcionais e integrados aos circuitos do hipocampo. Eles poderiam repor a perda de outros neurónios, conferindo maior plasticidade ao hipocampo. Os novos neurónios são mais susceptíveis a sofrerem potencialização de longa duração no hipocampo (LTP), um fenómeno relacionado ao aprendizagem e a memória. A aprendizagem de novas tarefas facilita a neurogénese enquanto seu bloqueio prejudica o aprendizagem em tarefas que dependem do hipocampo. Portanto, estas novas células poderiam estar envolvidas no processamento de tarefas cognitivas.

A Neuroplasticidade irá ser muito brevemente melhor entendida e muito possivelmente irá fazer uma “reformulação” de todas as teorias envolvidas na actividade dos psicofármacos em uso. Mais, deverá levar a novas linhas de investigação na psicofarmacologia.

António Sampaio
Médico Psiquiatra
Membro do Conselho Científico e Pedagógico da ADEB