ARTIGOS
A Clínica Geral e a Depressão
Na consulta ao Médico de família, vários estudos apontam para uma prevalência de perturbações psiquiátricas superior a 25%.
Estudos epidemiológicos levam à conclusão de que o Clínico Geral (ou o Médico de família) é o profissional que mais intervém (não apenas numa 1ª linha) no acompanhamento e tratamento de pessoas com perturbações psiquiátricas.
As perturbações psiquiátricas mais frequentes na clínica geral são, na sua grande maioria:
- Perturbações da Ansiedade, incluindo a Perturbação de Ansidade Generalizada, as Pert. Dissociativas e/ou Conversivas, a Pert. de Pânico, as Fobias, a Pert. Obsessivo-Compulsiva e as Reacções ao Stress incluído a Pert. de Stress Pós-Traumático.
- Perturbações Depressivas, incluindo a Doença Bipolar.
Pensa-se que apenas um caso psiquiátrico em 20, presentes na Clínica Geral, seja encaminhado para a Psiquiatria.
O papel mais importante dos Médicos de Clínica Geral advém da sua grande capacidade e habilidade de “acolher” o sofrimento mental. O maior obstáculo à assistência a pessoas com perturbações psiquiátricas tem sido, nos serviços públicos, as condições de trabalho e a exiguidade de tempo dispendido com cada paciente.
A depressão é uma situação, muitas vezes patológica, muito comum. A grande maioria das pessoas, médicos incluídos, experimentará, ao longo da sua vida, uma situação de depressão. Tal, aliás, faz parte da condição humana, do livre arbítrio e da capacidade de questionar as coisas, o mundo, da consciência de nós próprios e de uma visão auto-crítica da nossa própria existência. Nessa medida pode-se dizer que a maioria das pessoas sentem ao longo da sua vida alguma ciclotimia.
A depressão apresenta-se geralmente com os sintomas seguintes:
- Tristeza e/ou falta de prazer em actividades anteriormente prazerozas.
- Sensação de fadiga e mesmo apatia.
- Alterações do sono.
- Alterações do apetite.
- Sentimentos de desespero e de abandono.
Muitas vezes a depressão pode ser considerada patológica e assim necessitar de tratamento. Tal acontece quando a intensidade ou a duração da sintomatologia depressiva levam a uma diminuição no funcionamento da pessoa, num comprometimento da capacidade de lidar com os problemas da mesma forma a que estava habituada.
Importa contudo ter em conta que muitas vezes o quadro depressivo se encontra “mascarado” por manifestações somáticas que vão desde crises “asmatiformes” a perturbações digestivas e dermatológicas. Acresce que muitas vezes, em vez da pessoa se queixar de tristeza, inibição ou fadiga, apresenta ao seu Médico uma série de preocupações hipocondríacas.
Entre nós, na maioria das vezes, a oportunidade que o Médico dá à pessoa com depressão de exprimir os seus sentimentos e a capacidade de estabelecer com esta uma relação empática que manifeste compreensão e ao mesmo tempo seja tranquilizante, é muitas vezes suficiente para mudar o quadro clínico depressivo. Nesse sentido, é muitas vezes útil o envolvimento da Enfermagem do Centro de Saúde no sistema de apoio ao doente com depressão. De facto, é muitas vezes com o(a) Enfermeiro(a) que o doente “desabafa” fora da consulta. Uma boa articulação da equipa médica com o(a) Enfermeiro(a) pode aumentar o apoio real à pessoa com depressão. O envolvimento da equipa clínica do Centro de Saúde na abordagem e acompanhamento do doente depressivo poderá mesmo ser, com vantagens nítidas, mais desenvolvida e sistematizada. Muitas vezes é possível a criação de “grupos de apoio” em que sessões regulares com as pessoas com depressão, o(a) Enfermeiro(a) e mesmo elementos da família do paciente. Tais sessões são geralmente terapêuticas e reforçam elos sociais, tantas vezes frágeis nas urbes.
Importa dizer que nas depressões mais graves, incluindo a depressão com ideias deliroides, a “depressão da involução” e as perturbações depressivas unipolar grave e bipolar, o tratamento farmacológico é fundamental. Também aqui o envolvimento de toda a equipa e de elementos da família do paciente é da maior importância pois permite um acompanhamento mais contínuo da terapêutica farmacológica permitindo uma maior adesão e um esclarecimento atempado dos possíveis efeitos secundários dos fármacos.
Evidentemente, que as situações de depressão mais graves e/ou resistentes ao tratamento devem ser encaminhados para a consulta de Psiquiatria.
Uma boa articulação entre o especialista em Clínica Geral e o especialista em Psiquiatria torna-se fundamental. Com efeito, é consensual que a pessoa com depressão, quando adoece, desencadeia um adoecer global, mental e somático.
São cada vez mais frequentes as evidências das reais implicações somáticas que acompanham a depressão.
A depressão pode realmente estar relacionada com doença física de várias maneiras:
- A depressão pode ser consequência de uma doença física, como, por exemplo, um estado depressivo decorrente de uma patologia grave e/ou incapacitante;
- A depressão pode apresentar-se na Clínica Geral através de uma manifestação orgânica, como, por exemplo, através de dores locais ou generalizadas;
- Pode existir co-morbilidade entre a depressão e a doença de origem somática.
Um problema que se põe com frequência ao Médico é distinguir, em algumas situações, os sintomas somáticos resultantes de uma depressão, daqueles resultantes de uma doença física concomitante. Podemos dizer, no entanto, que a probabilidade de existirem manifestações psicopatológicas decorrentes de real doença orgânica é mais provável nas:
- doenças neurológicos,
- cardiopatias,
- doenças pulmonares crônicas,
- doença oncológica
- e incapacidade física e artrites.
Assim, é hoje inquestionável a pertinência de uma assistência pluridisciplinar. É contudo de realçar o papel “centralizador” do Médico de família porquanto é neste que o doente deposita de forma “inteira” a sua confiança para alcançar um equilíbrio e um bem estar compatível com uma vida saudável.
António Sampaio
Médico Psiquiatra
Membro do Conselho Científico e Pedagógico da ADEB